quinta-feira, 18 de julho de 2019

Identidade e Outros Poemas * Wilson Coelho - ES/Brasil

IDENTIDADE 
E OUTROS POEMAS



Não sou índio peruano
não sou índio chileno
não sou índio brasileiro
não sou índio boliviano
não sou índio de lugar nenhum


Sou Mapuche
sou Guarani
sou Aymará
sou Aymoré
sou Inca
sou Maia
sou Asteca
sou o que sou
aquele que é
no sentido da vida


Os colonizadores aqui chegaram
olharam para minha cara
e me chamaram índio
criaram um curral
e batizaram
Chile
Brasil
Peru
Argentina
México
Etc & tal


Não! Somos nações
que têm cultura
língua e história
Sou Mapuche, Inca, Maia, Asteca
Guarani, Aymará, Aymoré
e tantos mais que acreditam
na possibilidade da vida
sinônima da liberdade 



VIVENDO A VIDA


Tum-tum, tum-tum, tum-tum
bate o coração da América Latina
batem os tambores
uruguaios, chilenos, cubanos e brasileiros
Tum-tum, tum-tum, tum-tum
bate a vida dos povos andinos
dos povos tropicais
dos povos que resistem


Nos 500 anos de colonização
uns poucos comemoram
mas os muitos que resistem
batem o tambor


Tum-tum, tum-tum, tum-tum
bate o tambor Parintim
bate o tambor Mapuche
bate o tambor Candomblé
bate o tambor de Congo
bate o tambor operário
bate o tambor dos tambores
bate a vida


Bate bate bate coração
bate macumba iê iê
nesse velho peito
onde sopra o sonho da liberdade
da soberania


Existe uma América Latina
que sofre e que geme
mas que tem no sangue a cultura
de que não se vive
para vencer na vida
porque vive a vida
que é para ser vivida 


BAS DES ARMES!


A polícia armada
desarma a população.


De hoje em diante
fica decretado
que somente a fome
a infeção hospitalar
a inanição e os médicos
terão o direito de matar


Fica também decretado
que o direito ao roubo
cabe aos políticos
aos patrões e atravessadores,
aas tudo isso
-         Sem violência - aparente!


Abaixo às armas!
Mesmo que estejam putos.
Abaixo às armas!
Mesmo que sejam pobres.
Abaixo às armas!
Mesmo que não sejam hipócritas.
Abaixo às armas!
Mesmo que estejam desempregados.


Abaixo às armas!
E que Deus esteja convosco
sob as leis humanas que vos protegem...


O TIRO E O POEMA


Um tiro não oculta um poema
um poema não substitui um tiro
mas entre um tiro e um poema
existe o intervalo
entre quem não quer atirar
e quem não quer escrever


Atirar um poema
Poemar um tiro


Entre um tiro e um poema
existe alguém  que não faz poema
existe alguém que não atira
existe alguém que não sabe
o que é um poema
e sequer o que é um tiro


Mas o tiro e o poema
fazem o mesmo efeito
quando a poesia
trespassa o verso.



 ENCOBRIMENTO


Naquele 22 de abril se inaugura, deitando
raízes na até então, virgem
terra de homens livres, a era
da chamada modernidade.
Descoberta de outro rincão, onde
plantar domínio, pelas poderosas
graças do deus cristão, arcabuzes
ferro e fogo.


Na batizada Pau-Brasil, o outro
não existia como alteridade, apenas
como uma extensão, européia
em si mesma.
Paraíso de mulheres nuas, possíveis
escravos, ouro e prata, abundantes
para o sustendo da Coroa Real, portuguesa
e divina como a Santa Igreja.


Era o caminho das Índias, dizia a bússula
conselheira dos perdidos do mar, cartográficas
e sobretudo sagradas, escrituras.
500 anos se passaram, e nada se passou
a limpo, no itinerário das bandeiras
dos bandeirantes que, até hoje, em nossos
quintais fincam seus mastros e definem
posses sobre as cabeças dos despossuídos



Wilson Coelho - ES/Brasil
Dados do Autor


Wilson Coêlho é poeta, tradutor, palestrante, dramaturgo e escritor com 19 livros publicados, licenciado e bacharel em Filosofia e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo, Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense e Auditor Real do Collège de Pataphysique de Paris, do qual recebeu, em 2013 o diploma de “Commandeur Exquis”.  Assina a direção de 24 espetáculos montados com o Grupo Tarahumaras de Teatro, com participação em festivais e seminários de teatro no país e no exterior, como Espanha, Chile, Argentina, França e Cuba, ministrando palestras e oficinas. Ao longo deste trabalho de pesquisa, o Grupo tornou-se objeto de estudo da francesa Catherine Faudry em sua tese, na Université Stendhal, Grenoble-France, intitulada “ThéâtreauBrésil: Explotationdes Tendances Actueles dans la Recherche d’une Communication avec le Public”.Também tem participado como jurado em concursos literários e festivais de música. Além de lançamentos e palestras, ministrou oficinas de dramaturgia em 16 estados brasileiros, deixando diversas "leituras” junto aos grupos locais, além de participar em mesas redondas para uma discussão sobre a obra do espanhol Fernando Arrabal e do francês Antonin Artaud, que tem sido os temas de sua pesquisa e tradução sobre o teatro contemporâneo.
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Um comentário:

  1. Poesia madura, de quem se importa com a língua e as suas ancestralidades. De outro modo não haveria como defender seu povo.

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