terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Autorretrato e Outros Poemas * Anna Liz - MA

AUTORRETRATO E OUTROS POEMAS # ANNA LIZ - MA














AUTORRETRATO II


tenho este rosto desfigurado
este sorriso pálido, amargo
este olhar perdido, vago
tenho estas mãos enrugadas
estes braços lânguidos 
estas pernas flácidas
e  estes pés rachados.

sou bicho abandonado
cansado
esmagado
diluindo-se ao sabor do tempo
agarro-me (como quem desiste)
 a um fio solto de vida...


TENHO SIDO


tenho sido uma grande ferida 
que os dedos insistem em inflamar.

tenho me segurado em arame farpado
descansado em sebe de espinho.

certamente, não tenho sido mulher
tenho sido coisa subjugada, descartada.

tenho servido de chacotas, de escárnio e
de maldizer. a estupidez é meu reflexo

no fogo sem fumaça.

DE LUA

teus olhos
são duas meias luas
e a espada de Jorge
queimando o tempo, o tédio
e a espera vaga 
nesta noite miserável e fria...
a lua é tua boca acesa em direção
a minha víscera sentimental. 


O VERSO


não faço verso de modismo
tampouco para a alta casta
meu verso nasce povo
derrama o azeite do babaçu
e as águas do Apuá. 

meu verso é um cofo
de devaneios
é a cesta da vó Neném
levando beiju e 
esperança
é o cabelo branco
debaixo do torço
que conta histórias de Trancoso
é a calçada de redondilha
cantada na boca
da meninada

não faço verso de ricas imagens
pouco conheço 
da teoria literária
meu verso nasce desajeitado
só que ele
nasce com alma.

REALIDADE BUKOWSKIANA

é noite e
o quarto está escuro
como escura estou
olho o espelho na escuridão
shot de tequila
seios flácidos
face envelhecida...
penso na luta
e no amor não vivido
(preciso rir de mim)
a escuridão é uma realidade necessária
tanta coisa já me aconteceu na escuridão
ainda que houvesse sol
o sol é a sanidade
que já não me resta
ando cansada e
mutilada
pela mão de um amor
(in)acessível
não há bondade entre semelhantes
tampouco entre os diferentes
há misérias
e suicídios...
deito-me.
conseguirei dormir?

A PROSA MAIS TRISTE

Hoje,
         eu queria escrever 
         a prosa mais triste de minha vida. 
         Queria dizer 
         que o dia está cinza e opaco 
                  e o meu coração vazio. 
          Queria dizer 
          que nada em minha volta faz sentido;  
          nada tem razão de ser nem de estar.

Hoje,
        eu queria dizer 
        que a noite é um imenso véu escuro:
foram-se as estrelas, 
a lua e todos os astros luminosos e iluminados e... 
em mim: 
                 vácuo.

Hoje,
         eu queria esquecer 
         todos os poemas que compus para ti, 
         queria te dizer
         que esta é a última vez 
         que escrevo pensando em ti.

Mas... 
Hoje, 
como todos os dias de minha vida, 
me vêm 
             (de um só golpe)
todas as boas lembranças 
e um desejo imensurável de (re)vivência...



SOBRE PERDER 


em um momento de fragilidade
nos damos conta das perdas.
mas, por toda a vida perdemos,
desde a hora em que nascemos. 
até quando ganhamos, perdemos. 
pois para ganhar há de se perder.
e eu só não perdi o teu sorriso,
porque o guardo como tesouro 
na minha memória falha.


QUANDO 


Quando eu não mais existir
tudo continuará existindo
o céu, o mar, as montanhas.
igualmente esta manhã de primavera,
choverá e as flores brotarão
o sol nascerá por detrás
das palmeiras e fará 
seu caminho com o mesmo brilho...

quando eu for apenas cinza e pó
outras mulheres te amarão
talvez não tanto quanto eu te amei
e haverá festa no teu olhar
e contemplarás o mar de mãos 
dadas e peito acelerado
como se eu nunca tivesse existido...



SONHO DE PEDRA


tenho sonhos de pedras
e a casa vazia
deitei mais com quem não amei
e quem amei de verdade
raras vezes acordou comigo
não há riso em minha face
os beijos amargam-me na boca
a tinta de minha poesia
é o sangue da ferida
aberta em meu peito
esperei por Ella a vida toda
e perdi tudo; menos os medos
a rua está deserta
a porta está aberta
bastava que ela me chamasse
para que eu partisse. 


ENTRE NÓS

Entre nós
o córrego, mas
também a ponte
estendi-lhe a mão,
convidei-a para a 
T R A V E S S I A
calou!
recuou!
e montanhas
oceanos
abismos...
tudo que se-pa-ra
interpôs-se ENTRE NÓS

ANNA LIZ - MA
Anna Liz Ribeiro  - ana.elizandra@gmail.com
***

5 comentários:

  1. Amei a forma como constrói e colocas os sentimentos em cada verso. Parabéns

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  2. Parabéns!
    São poemas lindos e carregados de significados.

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  3. Muito talento Nessa nordestina arretada, muito Feliz em ser seu amigo e ter visto vc declamar seus poemas. Parabéns

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