domingo, 7 de julho de 2019

Réquiem ao Recife Antigo & Outros Poemas * Zeh Rocha - PE/Brasil

Réquiem ao Recife Antigo
A cidade é a placenta
com seus tons rubros
da crueldade
de um leão faminto
sem coroa e pobre
multifacetado rosto
pose rara
ariana heráldica
dessa família
quase extinta

Nem há cortejos
no carnaval.
Bafejam poetas
e literatos
nos gabinetes
cheios de fungos.

A burocracia fede a mofo.
um clarão nas ruas
a aurora jovial
da primavera manifestante.
São trinta mil raios de sol
Trinta policiais fardados
Trinta mil copos de chope
Trinta vândalos presos
Trinta sonhos dilacerados

&

Amigos do Rei  
       
            
Recife, terra lendária
de poetas, batuques e favores
amantes, heróis e amores.

Bradai, valsai e frevai
por pátios, ruelas e becos
em passos do siricongado.

Requebros malemolentes
das Soledades e Auroras
na terra maurícia e libertária.

Tua brisa marinha
é a voz do Ascenço
o soneto azul do Pena Filho
agitando a bandeira do Manuel.

Chega o tempo final das hipocrisias
ao toque do clarim, da alfaia
o carnaval celestial inicia.

Sigamos os blocos, os cordões,
as luzes da eterna folia
venham todos a Pasárgada,
aqui somos amigos do Rei.


Poemaré      
   
Ondas ondas
   ondas ondas
      ondas
        ondas
 ondas
   ondas
     ondas
       ondas
  ondas
     ondas
       ondas
pó e mar
em movimento
aguaceiro cinza
redemoinho de luzes
poemar é pôr de sol
na praiazul
gema amarelo vermelho âmbar
ascendente navelua
sobrevoa a minha mente
Desarma-me
toque sutil do cílio
rosetas do seio empinado
pele da tua maciez roçando
boca perfeita rosa entreaberta
pétalas rubras cor da granada
o cio veloz e fugaz
libido sublimada
verso e prosa abrigam
lavra do tesão
baticum bacunaré batoré bantu batucada badia
bandavuou bamba babalorixá búzio bate batar barafo
bundalelê benzer bozó bichado bico boteco banzo
bumerangue bumba boi berro
bacilo borra bancarrota banco
barcarola bizarra brenha breu
Oxalá orixá mete medo
protege em segredo
oriente cedo
credo
desenredo
Deus.


Ao poeta cego iluminado  
              
a João Cabral de Melo Neto


Descansa, poeta
não estás cego.
Agora teu olhar interior
vê o sertão abandonado,
facão amolador,
dilacerando canaviais
da alma pernambucana
morta vida-severina
sem-terra faminta,
poço de água barrenta,
feto morto na seca placenta

O que mantém a fé
da viúva provedora ?
- Esperança e labuta.

A fome dilacera o poema.

Amansa tua alma andaluza
com mãos calejadas
teu ofício da poesia
punhal de versos duros

Adelante, poeta!
Há um touro azul
sangrando no chão.
Há o cheiro de estrume no ar
penetrando nas narinas
do cão espesso sem plumas
guardião dos manguezais.

Ao canto, poeta,
sacramenta tua função
desafiando silêncios
na tua invisível viola.
Tece cordas imaginárias
sinfonia de nuvens dispersas
sobre o mar do canavial.


Pontes sonoras  


Na travessia das pontes
olha quem vai
navegantes sem velas
cidades são caravelas
elefantes brancos
monstros verticais.

Não quero pagar
pra ser moderno
batuques sem bombos
vitrines escombros
perfeitos rebocos
filosofias banais.

Olha essa ponte é de ferro
quanto tempo eu erro,
pra chegar em Shangri-lá

Imagens e versos na mente
Vem do fundo da alma
A dor que a gente sente


Paranambuca  

          
Quero ser o cheiro da terra.
suave a flutuar
pousa leve cristalina
brisa alma nordestina
a me acalmar.

Barro cheira massapê
doce aroma de româ
sei que alma não tem cor
tens a força de um imâ
magia do mar.

Bate o sol na gruta-mãe
mata verde tropical
aonde mora meu passado
caiporas e sacis
já não existem mais.

Delicadeza me seduz
rio praia manguezal
teu olhar é minha luz
arrecife água e sal.


O Poder


O poder é o vil metal ?

O poder é letal ?

Quem pode barganha,
corrompe e corrói
as melhores intenções.

Triste de quem pensa
que detém o poder
absolutamente.

Ninguém tem o poder que pensa ter.

Nem mesmo o poeta
tem qualquer fatia de poder
no país em que pouco se lê.

Ridículo pensar em obtê-lo.

Portanto desapegue-se
deste monstro de sete cabeças
antes que seja cedo para morrer.

Hunos, ostrogodos,
xiitas,zulus,
persas, fariseus,
laicos,gregos,
negros, arianos,
palestinos,afegãos,
americanos,paquistaneses,
russos, japoneses,
bolivianos, venezuelanos,
reis, rainhas,cafetinas
imperadores, coronéis,
revolucionários franceses,
operários, intelectuais, artistas,
senadoras,astronautas,
bruxas, cartomantes, senhoras de engenho,
trapezistas, domadores, mágicos,
fanáticos, jogadores de futebol,
a quem servem ?


Sonho do Capibaribe

     
Jasmins suspensos
flamboyants
acácias
rosas
ipês e manacás.

O rio sonhador
delira e se esfrega
ao sol na pele dos canaviais.

amores passam breves
como a brisa ao léu
alisa o céu azul-marinho
mágoas mínguam leves
às margens do teu leito.

Recife, meu amor por ti,
às vezes cruel,
às vezes, ternamente sublime.

beijo a tua boca
morna e sedutora
sabor das águas destas praias.

Aurora és estrada nua
que amanhece
com meus afagos loucos de prazer.
Parece que o sonho insiste,
vem com esta valsa nos enlevar.



Radiopirateando  

        
Urupema seca no telhado
Radar de feira na rua
Detecta o caos sonoro
Meu ouvido é antena nua

Ronco do porco no asfalto
Latido de cão na madruga
Zumbi na pauliceia assaltada
Pós-moderna carne crua

Desamarra a insana teia
Deletaram teu endereço
Me diz qual é o teu preço?
Meu internauta sem aldeia

Gente sem terra prometida
Rato no fio de alta-tensão
Pau de arara leva porrada
Guri cata lixo no palácio

Tambor ecoando no pátio
Cheira-cola dança no beco
Maracatu cortejo faminto
Baticum hip hop sem eco

Ninguém está nem aí pra ti
Cara cidadão repense
Reflete que ritual é esse?
Quer ver a tribo na Internet

A mídia faz a média e mói
Forja fato fábula e foto
Poder da imagem corrói
olhar mais inocente

Se liga pluga sintoniza
Cérebro pede alta frequência
Modula, vibra, capitaliza
Quem capta coopta tua mente?

Zeh Rocha - PE/Brasil

Dados do autor

José Rocha de Albuquerque Filho , de nome artístico Zeh Rocha nasceu em primeiro de abril de 1954 , em plena Era Vargas , na cidade de Recife , capital pernambucana.
  Desde 17 anos escreve poemas , que eram publicados no mural da Escola de Aplicação da UFPE, além de iniciar a sua atividade musical , compondo suas primeiras canções , sendo o criador do grupo Flor de Cactus .
 Desde aí , nunca largou o seu violão , lapidou a sua voz , cursou jornalismo ,como repórter dos principais jornais de seu Estado, durante cinco anos.
Em seguida , convidado por Lenine , amigo e parceiro , se lançou no mercado fonográfico , tendo canções gravadas por Lenine, Elba Ramalho, Vicente Barreto , Céu da Boca , Boca Livre.
  O exercício da poesia e da música se entrelaçam fortemente na vida artística deste cantautor.
  Tem hoje , o livro de poesia Circunavegasons já lançado em Santa Catarina , e em breve , estará sendo distribuído em Recife .
  Zeh Rocha possuí três CDs gravados : Loas Lendas e Luas ( 2000 ) , Caminhantes ( 2004) Tear ( 2009) , tem também o DVD Transfinito , patrocínio oficial do funcultura em 2011.
  A sua produção poética e musical vai além desta discografia citada , já tendo sido gravado por artistas do sul , centro-oeste , sudeste, nordeste e norte do Brasil .
   ***#***

4 comentários:

  1. Abraços Antônio. Grato pela oportunidade de participar deste blog tão importante para iluminar nossa caminhada e luta contra a opressão imperialista no mundo. Salve a poesia e os poetas

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  2. Salve Zeh Rocha!! Tamojuntoemisturado...

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  3. Professor Zeh Rocha: referência para todos nós!!
    Fábio Junqueira Karkow
    Imbituba SC

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  4. Trabalho muito bem escrito e apresentável. Parabéns, Zeh Rocha!

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